Operários

10/08/2021

A luta operária ocorrida nos anos da ditadura empresarial-militar brasileira, demonstra a força e a insatisfação da classe operária em face à repressão e ao sucateamento de seus espaços e serviços. A classe operária constituiu um dos principais alvos da repressão militar, com inúmeras perseguições, prisões, torturas e mortes. Tantos operários não sindicalizados até movimentos organizados, foram todos eles atravessados pelo poder estatal militar e estiveram sob a égide do interesse capitalista estrangeiro, pois não somente constituíam uma ameaça aos planos da ditadura militar, mas eram componentes essenciais de uma modernização dada pelo modelo neoliberal, baseados na desigualdade social e arrocho salarial.

Entender o enredo da classe trabalhadora na ditadura requer um conhecimento prévio de sua história e formação. Seu inicial instante de desenvolvimento é marcado a partir de 1930, em sua maioria pelas historiografias clássicas do Brasil. É a partir desse contexto que se situa o início da massificação e proletarização do trabalhador urbano. São propriamente os sistemas de produção fordista e taylorista que constituem o âmago da organização e identificação institucional trabalhista. A Era Vargas representa a importação desses modos de produção, e acaba entrando para história ora como a primeira gestão estatal de fato a reconhecer e legitimar os direitos trabalhistas e sociais dos trabalhadores - como por exemplo em 1943 é elaborada a CLT, consolidação das leis do trabalho -, e ora como corporativista que desmobilizava a real organização popular dos trabalhares de seus centros sindicais e trabalhistas. O que desse fato histórico de Vargas podemos utilizar e analisar para entender sua relação com um novo governo ditatorial, é exatamente a permanência em ambas as épocas (1937 e 1964) na desmobilização política da classe trabalhadora e seu consequente afastamento dos centros políticos reivindicatórios, onde os verdadeiros movimentos trabalhistas populares eram reprimidos e 'falsos' representantes eram colocados em seus lugares. O que permanece evidentemente até então é o medo da mobilização social trabalhista aos governos ditatoriais, sua força mobilizadora e contestatória.

No dia 1º de abril de 1964 é dado o golpe, e em pouquíssimo tempo o comando geral dos trabalhadores (CGT) - criada em 1962 no governo de Jango - é fechado e 17 de seus dirigentes são presos e condenados a anos de prisão. A perseguição se ampliou e mais de 400 organizações sindicais foram perseguidas e censuradas, sendo permanecidas apenas sob tutela estatal militar, e substituídas por outras entidades sindicais, financiadas pelo capital internacional, como por exemplo a CIOSOL (Confederação Internacional de Operários e Sindicatos Livres), que somente tomou o espaço representativo institucional dos trabalhadores pois era autorizada e financiada pelo próprio governo e que expunha abertamente nos seus comícios seu viés organizativo anticomunista. Iniciada a ditadura no Brasil, os sindicatos e os operários foram os primeiros a sofrer perseguições e censura. Imediatamente foi criada a lei nº 4330/64, que restringia as ações grevistas, penalizando caso ocorressem. Políticas e ações como estas só demonstravam o objetivo de despolitização do movimento operário e afastamento de sua presença dos centros políticos institucionais.
A resistência operária não acabou e se intensificou em 16 de março de 1968, com a primeira greve de Contagem, em Minas Gerais, onde 1.200 metalúrgicos se organizaram e reivindicaram melhorias salariais. Também no mesmo ano, em 1º de maio, na região paulista, trabalhadores apedrejaram o palanque em que o governador da época, Abreu Sodré, estava discursando, o que marca novamente a presença de insatisfação operária frente ao regime militar. Mas quando o AI-5 surge em 1968, o silenciamento, as perseguições e a censura a esses movimentos, toma um outro rumo, um rumo de aguda repressão. Somente a partir de 1978, dez anos depois, se reinicia de fato os grandes movimentos operários de amplitude desencadeante em âmbito nacional. É em 12 de maio de 1978, que operários da empresa Saab-Scania, em Osasco, entraram para dentro de sua fábrica e permanecem de braços cruzados, reivindicando melhorias salarias em virtude do arrocho que sofria sua classe, porém desta vez sua ação não permaneceu isolada e muito menos pode ser abafada por qualquer ato institucional, pois ao longo da semana, meses e anos, uma avalanche de greves e reivindicações tomaram conta das regiões e suas fábricas por diversas cidades em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, demonstrando novamente a força operária política dos trabalhadores urbanos.

A luta operária é um marco da resistência popular frente à imposição da ditadura empresarial-militar. Entender sua história de luta é entender os mecanismos de dominação e poder do regime militar brasileiro, é elucidar um plano que priorizava o desenvolvimento do capital baseado na desigualdade social, um plano de modernização seletivo e cruel. Através de alguns filmes que buscaram retratar a realidade das relações: operários e ditadura, é que podemos momentaneamente imergir num contexto que para muitos permanece obscuro e inarrável. Entender a luta e vida dos trabalhadores é entender a construção da sociedade e história brasileira. É entender a sua 'redemocratização' e vida.


Autor: Gabriel Mamede, graduando em Sociologia pela Universidade Federal Fluminense, integrante da linha de pesquisa "Cinema e ditadura em plataforma virtual", vinculado ao grupo de pesquisa certificado no CNPq: "Subjetividade, Memória e Violência do Estado". Bolsista de Iniciação Científica/UFF.


Referência Bibliográficas:

SANTANA, Marco. Ditadura Militar e resistência operária: O movimento sindical brasileiro do golpe à transição democrática. 

Https://periodicos.ufsc.br/index.php/politica/article/viewFile/9321/8605, Brasil, n. 13, p. 279 - 309, 16 jun. 2008.

MEMORIASDADITADURA. Operários. São Paulo, [20-?]


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